domingo, 7 de outubro de 2018

Igreja ou Estado – a quem devemos obedecer?

Fonte: http://contatoanimal.blogspot.com/2012/03/etica-e-dogma-sergio-greif.html

Há dois trechos no Evangelho de Mateus onde Jesus trata da questão dos impostos e do tributo. O primeiro aparece no capítulo 17 e o segundo no capítulo 22. Diz o texto que logo que chegaram em Cafarnaum, alguns homens aproximaram-se de Pedro e perguntaram se Jesus pagava os impostos devidos. Ao chegar em casa, porém, Jesus antecipou-se perguntando a Pedro:

 –  O que você acha Simão? Os reis recebem os impostos de seus próprios filhos ou de estranhos?
–  De estranhos é óbvio.
–  Logo, os filhos estão isentos. Mas para que não haja escândalo ou maledicência, vamos pagá-lo. Vá pescar e acontecerá que o primeiro peixe que subir trará um dinheiro em sua boca. Pegue-o e pague o imposto por mim e por você.
(Mateus, 17: 24-27, tradução livre).

O Evangelho também conta de que alguns fariseus e herodianos aproximaram-se de Jesus para experimentá-lo. Então perguntaram-lhe sobre a questão dos impostos, dizendo:

– Devemos pagar o imposto a César? 
– De quem é o rosto que aparece na moeda? – disse Jesus.
– É o rosto de César – responderam.
– Portanto deem a César o que pertence a César e a Deus o que pertence a Deus.
E sem saber mais o que dizer, foram embora.
(Mateus, 22: 15-21, tradução livre).

O que poderíamos retirar de ensino destas duas notórias passagens do Evangelho de Mateus? O que ela tem a dizer-nos ou como pode clarear nossa visão e compreensão acerca da relação e da dicotomia Igreja-Estado?

Tenho em conta que ao Jesus responder asperamente tal pergunta, estava claramente dividindo aquilo que é dos homens e da terra daquilo que é dos Céus e de Deus. Tenho em conta que Jesus estava separando de modo radical o poder temporal do poder que vem do Eterno e, que é eterno.

Aqui se dá – ou deveria se dar – a clara e definitiva separação entre Estado e Igreja. O Estado é o mesmo que César – imperador romano e a Igreja representa o poder atemporal que advém de Deus. Porém, como é comum vermos também a Igreja imiscuída em assuntos mundanos e por vezes não lá muito dignos, precisamos parar aqui e determo-nos no que entendemos por Igreja.

A igreja com "i" minúsculo seria a instituição igreja, que possui residência fixa, CNPJ e contas a pagar. Então a igreja pode até estar separada, mas é sujeita ao Estado, pois paga-lhe o tributo devido todo fim de mês ou do ano. 

Já a Igreja com "I" maiúsculo é o corpo místico de Cristo. O corpo invisível de Cristo, que será arrebatado com ele no dia da ressurreição. Corpo composto por todos aqueles que suportaram a grande tribulação e não negaram o Cordeiro, nem mancharam suas vestes com o pecado.

Deste modo, vemos que quando Jesus diz para dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus, ele separa aquilo que é secular do que é eterno; o profano do sagrado; o Estado da Igreja (não a igreja temporal apenas, mas a Igreja invisível e eterna, a Igreja com "I" maiúsculo).

Portanto devemos agir com justiça e justeza. Cumprindo nossas obrigações para com o Estado enquanto cidadãos brasileiros, e também com Deus, enquanto cidadãos dos Céus. Tendo em conta o exemplo de Jesus que, enquanto esteve conosco, cumpriu suas obrigações civis e pagou o imposto devido à César. 

Agostinho nos ensinou de que nós somos cidadãos de duas pátrias: enquanto aqui vivemos, estamos na cidade dos homens e devemos obedecer-lhe as leis, mas mesmo aqui tenhamos sempre em vista que almejamos viver na cidade de Deus que é nossa verdadeira pátria e lar. Contudo, mesmo que o Estado ao qual estejamos sujeitos seja um Estado ateu, islâmico, laico ou de qualquer outra ordem, nós enquanto cristãos, devemos respeitar-lhe as leis (a menos que tal lei entre em direta e franca colisão com a lei Eterna). Em caso de franca colisão entre as leis devemos sempre optar por obedecer ao Senhor. Seja a igreja unida ou separada do Estado, obedeçamos sempre ambas as legislações, considerando sempre as do Estado sujeitas às da Igreja, as do Eterno. 

Um exemplo de cristãos que obedeceram a Deus em detrimento do Estado encontra-se nos primeiros cristãos, os quais foram lançados aos leões mas não negaram sua fé. Outro exemplo pode ser encontrado nos cristãos que preferiram ser perseguidos e até presos a ter que pegar em armas para promover a guerra. 

Tendo como alvo nossa verdadeira Pátria, devemos pois nos despir do egoísmo que é a característica principal da Cidade dos Homens e caminhar rumo ao altruísmo, à devoção ao Senhor e ao amor sacrificial – que é a característica reinante na Cidade de Deus. Porque aqui somos meros forasteiros e peregrinos, nossa pátria está no Céu. Como já cantávamos no culto de domingo de manhã: "Sou neste mundo um peregrino/ Já me fizeste cidadão dos Céus".


Para saber mais:

Título: A Cidade de Deus.
Autor: Santo Agostinho. 
Editora: Vozes de Bolso.